quinta-feira, maio 19, 2005

Regaleira

Penetrar na Quinta da Regaleira é penetrar no ambiente do tardo-romantismo português, em que o país ainda vivia os acontecimentos ligados ao ultimatum inglês de 1890 e em que se procurava agora a redenção através de uma atitude estética e até de estilo de vida, numa ligação ao neo-manuelino, ou seja, a uma época áurea da História de Portugal. É assim que se percebe porque razão Carvalho Monteiro, o Monteiro dos Milhões, recusou um primeiro projecto ao Francês Lusseau para o palacete que pretendia construir na quinta que anos antes tinha comprado, e vá buscar o cenógrafo Luigi Manini que em 1888 tinha riscado o Palace Hotel do Buçaco.A espera inicial para que o grupo se reunisse, permitiu a contemplação da arquitectura-cenário do palacete, por cima do varandim de arcos canopiais que serve de guarita de protecção imaginária ao portão. E esse edifício remete-nos para a Torre de Belém, para os Jerónimos, para Tomar, enfim para os principais marcos da arquitectura manuelina, numa mistura de torres, coruchéus, pináculos, arcos de vários tipos, teatral contudo harmónica.Entramos. Iniciamos a visita guiada pelos jardins. Estes fazem parte de um todo imaginado pelo proprietário e disposto pelo cenógrafo. Não são uns jardins quaisquer. Eles organizam um percurso simbólico, iniciático. Toda a estatuária, as torres, as falsas ruínas, as grutas artificiais, as fontes, são objectos falantes, inscritos numa simbólica ligada eventualmente aos Rosa-Cruz ou aos neo-templários. O percurso é ascendente e culmina no poço, cuja entrada, disfarçada, só é permitida a quem seja ajudado. Descemos esse poço ao encontro da escuridão total. Penetramos nas entranhas da terra e quando saímos, quando encontramos outra vez a luz, estamos purificados.Descemos agora ao encontro da capela. Agora já lá podemos entrar. Da capela, onde bem marcada está a obra dos canteiros coimbrãos que Manini utilizou, sai um túnel até ao Palacete. Mas nós não somos verdadeiros iniciados, não o vamos utilizar. Entramos na casa. Arquitectonicamente o interior do palacete é o que tem menos valor. Aliás não se poderia exigir muito mais a Manini. As salas são delineadas por um corredor central, que acolhe também o lançamento da escadaria para os pisos superiores. Vale pela decoração, marcada sempre pela simbólica e pela heráldica falante que já havíamos encontrado nos jardins.Saímos. Olhamos para trás e damos um últimos olhar à “moça dos pombos” que continua ali, por baixo da varanda, na sua tez de pedra branca de ançã!

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