quinta-feira, junho 18, 2009

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In Catálogo da Exposição Colectiva dos Ateliers do Centro Cultural Roque Gameiro, 2008
Uma das coisas que permite distinguir o Homem de outros animais é a memória. Não a memória física, que essa também outros dos nossos companheiros na Terra a possuem, mas a memória colectiva material. Por outras palavras, a História, por outras palavras ainda, a Cultura!

Alfredo Roque Gameiro fez inscrever na verga da porta principal da sua casa, na Amadora, a frase – “Honra teus avós”. O Centro Cultural que do insigne Mestre aguarelista e gravador extraiu o nome e que nessa casa (aliás, nesta casa) nasceu, ao longo dos seus 34 anos de existência tem feito por dar uma vivência própria a esta frase. Na Casa Roque Gameiro, ou nas sedes que o centro sucessivamente tem ocupado, sempre esta associação se tem comportado como divulgadora, mas sobretudo como produtora de cultura, logo produtora de História. No panorama da História da Cultura da Amadora, é hoje incontornável o papel deste Centro, desde o tempo da Câmara de Oeiras, em que os seus membros se esforçavam para demonstrar que a “Amadora não era só cimento”, que tinha uma História própria e que reflectir sobre essa sua História era uma forma de dar identidade à população que o êxodo rural dos anos 50 e 60 para aqui tinha “atirado”.

Hoje, o papel do Centro Cultural Roque Gameiro é, necessariamente, outro. Mas, porventura, o seu espírito colectivo mantém-se, mesmo que as actividades sejam diferentes. Cada vez mais as suas valências estão ligadas à formação e à produção oficinal, mas só pode haver boa formação e boa produção com uma continuada reflexão acerca do seu próprio devir que, na realidade deve sempre ser um devir em paralelo da entidade, dos seus vizinhos e do seu território, que é o território da Amadora.

É por isso que esta exposição, mais do que uma mostra dos cursos que se fazem no interior do Centro, pretende ser uma outra coisa. Algo que ao longo da sua História nunca abandonou e que lhe permite continuar a “honrar os seus avós”. No fundo, com esta exposição queremos renovar o nosso compromisso com este concelho, que afinal também ajudámos a nascer e a fazer crescer – Centro Cultural Roque Gameiro – O Centro Cultural da Amadora!

João Castela Cravo
Venteira, 17 de Junho de 2008

terça-feira, junho 16, 2009

Vitrais

Desde muito cedo que os construtores perceberam a importância da luz na Arquitectura. Aliás, de tal forma se relevou esse facto, que hoje em dia a luz é considerada uma das matérias-primas mais importantes desta arte, senão a mais importante. E a luz é cor, é movimento, é ambiente.

Bem o entenderam os mestres construtores das catedrais góticas, que para além das enormes entradas de luz, grandes vãos vazados ou rosáceas finamente rendilhadas, utilizaram ainda os vitrais – verdadeiras pinturas de pedaços de vidraça colorida, bastas vezes historiados ou simplesmente de expressivo valor decorativo. A qualidade e a funcionalidade dessas obras, remete o vitral para um lugar cimeiro do reconhecimento público ao nível da História da Arte. Obra de operários anónimos, torna-se num elemento facilmente percepcionável pelos usuários da arquitectura, modelando e dinamizando formas e cores.

Curiosamente, a partir do século XVII, o vitral perde terreno na História da Arte Ocidental, provavelmente por questões ligadas à Reforma da Igreja. Contudo, os eclectismos oitocentistas recuperam, em parte, este saber-fazer, mas a sua especificidade técnica torna-o agora demasiado dispendioso para uma utilização usual.

Entretanto chega a vez daquele a que podemos chamar vitral moderno, mais propriamente pintura em vidro. A utilização de tintas gordas, transparentes e/ou opacas, juntamente com o contorno através do cerne, permitem uma expressividade idêntica ao do antigo vitral de vidraças cortadas. Embora tecnicamente diferentes, o valor da luz coada é semelhante, permitindo ambiências de qualidade e mais interessantes sob o ponto de vista económico. Mas esta é uma técnica que tem vindo a perder em termos estéticos, aparecendo quase sempre sob uma forma apenas decorativa e pouco criativa.

Nesta perspectiva, há que mudar, que inovar. E para inovar é preciso traquejo, contacto com a criação.

Esta exposição corre nesse sentido. Os formandos foram levados a percepcionar obras de outros autores, transpondo para a pintura em vidro outras técnicas, ou melhor, resultados de outras técnicas. As características expressivas deste tipo de vitral, acabam por conseguir uma re-criação, uma apropriação estética e funcional dessas obras, que, longe de constituir uma simples cópia, acabam por fazer emergir outros valores, importantes, eles mesmos, num processo de formação.

Releva-se ainda o tema escolhido – o corpo humano. É um tema, pela sua plasticidade intrínseca, que casa bem com esta técnica. As sinuosidades tácteis, impressivas do corpo, permitem o plasmar voluptuoso de formas no espaço plano, formas que vão ser valorizadas pela iridescência da passagem da luz pelas tintas. Então, os corpos migram, a ideia é corpórea, o resultado é luminoso.


João Castela Cravo


Venteira, 9 de Abril de 2007

in catálogo "Nus", Exposição de Vitrais, colectiva dos alunos dos cursos realizados no Centro Cultural Roque Gameiro, Casa Roque Gameiro, 5 de maio a 9 de Junho de 2007

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