sábado, maio 28, 2005

A “Sopa dos Pobres da Vila da Amadora”



Na noite de sábado, 19 de Maio de 1917, o caos tinha-se apossado de Lisboa. Estava-se em plena I Guerra Mundial e as coisas não corriam bem para o exército português, em especial na Flandres. Desde pelo menos Agosto de 1914 que havia problemas alimentares no país, sobretudo no que diz respeito ao pão. Ao longo de três anos vários foram os momentos críticos, com levantamentos populares, assaltos a padarias e comboios, mortos e feridos. A situação não era portanto nova.
É difícil de saber o que aconteceu em Lisboa nesta noite de sábado e quantos foram os mortos, talvez cerca de 40 populares, nos confrontos entre o exército e os assaltantes de lojas da baixa. A Guarda prendeu 547 pessoas. Portugal batera no fundo, em especial o governo de Afonso Costa que ainda se iria arrastar durante alguns meses até que, a 5 de Dezembro, Sidónio Pais acampou na Rotunda para derrubar o governo. A “Revolução da fome” tinha preparado o caminho para a “Revolução do Sidónio”.
Independentemente das questões políticas, Sidónio, o presidente–rei nas palavras de Fernando Pessoa, vai tentar uma espécie de regeneração da nação através de um intervencionismo estatal, à boa maneira maçónica. A 10 de Maio de 1918 lançam-se as bases de uma intervenção imediata, com a criação, no âmbito do Ministério das Subsistências e dos Transportes, da Sopa dos Pobres, que rapidamente ficou conhecida por “Sopa do Sidónio” (em 1926 eram já 35).
Ultrapassando a questão, muito discutida, de se esta aventura sidonista foi um movimento protofascista, o que é facto é que Salazar vai continuar a servir-se do modelo da sopa dos pobres, integrando-o na Direcção Geral de Assistência, criada em 1931. Ao mesmo tempo, dezenas de instituições particulares (sobretudo ligadas à Igreja) vão sendo criadas com o mesmo fim, o de fornecer assistência, sobretudo refeições aos mais necessitados.
Também a Amadora não fugiu a este movimento. Em 1938 é criada a Associação de Beneficência “Sopa dos Pobres da Vila da Amadora”, tendo os seus estatutos sido aprovados pelo Governo Civil de Lisboa, a 7 de Março do referido ano. Com sede provisória no nº 10 da Rua 5 de Outubro, tinha esta Associação como objectivos “promover a beneficência entre os pobres da (…) Vila (…), quer fornecendo-lhes diàriamente (sic) uma sopa, quer protegendo-os, sempre que possível, com a prática de outros actos de caridade”, isto segundo os seus estatutos. Havia na Associação dois tipos de sócios – os efectivos, que contribuíam com uma quota mensal de um ou mais escudos e os sócios protectores, aqueles que tivessem contribuído com verbas significativas, uma ou mais vezes.
Como corpos gerentes, a associação dispunha de uma Assembleia Geral, Direcção e Conselho Fiscal. Fica aqui a sua relação:
Direcção
Raquel Roque Gameiro Ottolini (Presidente), Maria Hermínia Gomes Cabrita, Maria José de Brito Guimarães, Beatriz Valente de Carvalho Couto Vianna, Maria Luiza Corrêa Pereira, Maria Irene Simões Lopes e Raquel da Conceição d’Oliveira Ferreira
Mesa da Assembleia Geral
José Francisco Antunes Cabrita, António Rodrigues Corrêa, Adolfo Campos Couto Vianna e Marciano Victorino Costa
Conselho Fiscal
Francisco d’Almeida Coelho e Campos, Vasco Sampaio Castelo Branco e José
Duarte Ferreira
Curiosa é a distribuição por género dos elementos constituintes destes corpos gerentes, sendo que a direcção era apenas constituída por senhoras, enquanto os restantes eram homens. A caridade parecia adequar-se bem ao mundo feminino, mas os homens não abdicavam da sua supervisão…
in Notícias da Amadora, 1 de Julho de 2004

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