sexta-feira, maio 20, 2005

Cristo Pantocrator

Após a crise do século III, em Roma, o Cristianismo encetou uma das viragens mais significativas na história da humanidade. De religião perseguida passou a religião oficial do Império, mesmo quando este se cindiu, ficando o cristianismo com dois centros – Roma, no Ocidente e Constantinopla (Bizâncio) no Oriente.

Se no Ocidente o feudalismo irá provocar um fraccionamento do poder que se vai constituir como obstáculo a um domínio total de Roma, o que irá provocar uma constante luta entre os potentados feudais e o Papa, no Império Romano do Oriente o Cristianismo vai tornar-se na mais pura das religiões imperiais, sobretudo a partir de Justiniano. E logicamente, a uma prática religiosa imperial corresponderá uma representação simbólica dessa prática.

Uma das representações simbólicas bizantinas, das mais curiosas e das mais importantes, marcadamente teofânica, é o Cristo Pantocrator, Cristo Majestas Potestas, ou simplesmente Cristo em Majestade ou Cristo Entronizado. Ele é o imperador universal, a ligação entre o céu, reino de Cristo e a terra reino do imperador romano, representante de Cristo. No Oriente ele é quase sempre representado no meio de um círculo, representação do Mundo, rodeado de anjos (como se vê neste caso) ou dos símbolos dos quatro evengelistas (tetramorfo).

Curiosamente o Cristo Pantocrator cedo chegou à Europa, tornando-se um dos símbolos por excelência do românico medieval. Aqui ele instala-se num dos locais mais simbólicos da igreja, o tímpano do pórtico principal, envolto mais do que pelo círculo, agora pela mandorla, a amêndoa mística, por vezes rodeado por uma corte, em que o módulo de Cristo se sobrepõe aos outros, num gigantismo bem marcado. Por vezes essa corte, apanhando todo o tímpano, representa os 24 velhos da visão apocalíptica de S. João, afastando-se da imagética imperial do Oriente.

Assim, no Ocidente o Imperador é agora a figura do pai, do pai severo que não hesita em castigar os seus filhos com as penas infernais, também elas bem visíveis na decoração falante das igrejas românicas. E só no gótico, quando a Igreja Cristã aproxima o homem do céu, a figura do Pantocrator perde para a figura maternal da Virgem Maria. A Igreja queria-se agora mais redentora do que castigadora…

Amadora, 15 de Julho de 2004
Ao Marcelo de Moraes

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