terça-feira, maio 24, 2005

Castelo de Vide

Castello de Vide. Villa da prov. do Alemtejo, séde de conc. e de com., distr. e bisp. de Portalegre. Tem tres freguezias: Santa Maria da Deveza, S. João Baptista e S. Thiago Maior. Está situada junto à fronteira de Hespanha, em ponto elevado na encosta d’monte, em frente da Serra de S. Paulo. A pov. é muito antiga, parece ter sido fundada ainda antes do domínio romano, pois já existia quando foi destruída a cidade de Norbia Cesaria. Sobre a etymologia do nome ha diversas opiniões; querem uns que fôsse Villa de Vide, por causa d’uma grande vide que existia no sítio onde se edificou o castello, parecendo corroborar esta opinião o brazão da villa, que se compõe d’um escudo, tendo no meio um castello cercado por uma vide com seus cachos e parras; outros pretendem que se chamasse Villa Divide, por estar próximo da divisão de Portugal e Castella. Depois que se edificou o castello, tomou o nome de Castello de Vide.”

in Esteves PEREIRA & Guilherme RODRIGUES, Portugal, Diccionário Histórico, Biográfico, Heráldico, Chorográfico, Numismático e Artístico, Lisboa, João Romano Torres, 1906, pp.895/896


Mas, porque o espaço é contínuo e porque o tempo é uma das suas dimensões, o espaço é, igualmente, irreversível, isto é, dada a marcha constante do tempo e de tudo o que tal marcha acarreta e significa, um espaço organizado nunca pode vir a ser o que já foi, donde ainda a afirmação de que o espaço está em constante devir.”

in Fernando TÁVORA, Da Organização do Espaço, Porto, FAUP Publicações, 1996, p.19



ESPAÇO, TEMPO, TRANSFORMAÇÃO E RESPONSABILIDADE

O espaço que temos: uma rua, uma praça, um largo. A rua, confrontada com um casario que não lhe reconhece sempre a mesma largura, desemboca na praça e timidamente ultrapassa-a para, então se confundir com o largo, acabando e recomeçando o seu papel de transmissão. A moldura do espaço, também ela espaço, apresenta uma vivência complexa - vivência habitacional e de trabalho, vivência religiosa e vivência política. Mas são vivências desgarradas, não harmónicas. Humildes, umas, altivas, outras, desdenhosas, ainda outras. Dir-se-ia pertencerem, todas elas, a espaço-tempos diferenciados, divorciados, com funções nunca concorrentes.

Procurar no tempo uma justificação? É possível. Castelo de Vide é, na sua essência, uma vila roqueira, que encontra no seu castelo a sua dimensão medieval. Fora dessas muralhas castelejas, primeira linha de defesa, estariam os humildes, ou aqueles cuja religião os a-associava. As cortinas de defesa do burgo, não provocavam, assim, quaisquer necessidades de novas centralidades, fora do castelo.

Os séculos XVII e XVIII, tudo vieram alterar. A vida roqueira já não era o ideal para uma representação de poder social. Casas apalaçadas precisavam de mais espaço, a concorrência com judeus ou cristãos-novos, era cada vez mais complexa (aliás o Marquês de Pombal faz desaparecer este último epíteto). Logicamente, também a religião se deve ter ressentido. O poder político e o religioso, procuram agora uma nova centralidade. De uma pequena capela do século XIV, nasce a nova Matriz, verticalizada, pretendendo ser axial. Mas o poder político não lhe quer ficar atrás. Ocupa o espaço a um dos lados da novel igreja, vira costas à praça que logicamente se tinha constituído pela axialidade religiosa e forma com o pelourinho (já tardio), uma outra axiologia. Arrufos entre antigos cristãos-velhos e antigos cristãos-novos?

Facto é a diferenciação funcional entre a Carreira de Cima e a Carreira de Baixo, facto é a valorização das traseiras da Matriz e frente da Câmara e a desvalorização da frente da Matriz e traseiras da Câmara, fenómeno tanto mais estranho, visto este último edifício , o dos Paços do Concelho, ter sido construído em três frentes. Uma para a Carreira de Cima, outra para a Carreira de Baixo e a terceira, a mais monumental tendo em conta o seu período de construção, o Barroco, a dar para a própria igreja, com uma escadaria interrompida, espaço cénico que se anuncia mas que não o consegue ser.

O que se pretende agora, é a requalificação desse espaço desvalorizado, antiga devesa, depois rossio que pretendia ser praça. A transformação é simples - sem fugir à força intrínseca das arquitecturas, procura-se um espaço que se torne unificador das margens construídas. Por outras palavras, a Praça D. Pedro V, deverá deixar de viver, como o local aonde assumem papéis icónicos, a Igreja Matriz e o edifício dos Paços do Concelho, como forças perturbadoras do espaço, e deverá transformar-se numa “ágora”, onde as linguagens arquitectónicas se constituam como dialogantes. Um espaço que será, ao mesmo tempo, de penetração nas várias arquitecturas, de estar e de lazer e de passagem, melhor dizendo, de distribuição dos vários itinerários da restante rede urbana.

A lógica da actuação é, também, simples. Temos aqui dois dos principais edifícios de Castelo de Vide, bem como algumas das principais marcas de memória da Urbe, que não se esgotam em arquitecturas mais ou menos áureas, a Igreja de S. João Baptista, solares, a Fonte do Ourives, o monumento a D. Pedro V. Esta deveria ser, quase que forçosamente, a principal praça de Castelo de Vide.

A transformação, passa então por atribuir valor urbano ao espaço, através de equipamento adequado e marcação funcional das diversas valências. Essa atribuição requer, da nossa parte, talvez com alguma violência, assumir o carácter do tempo - o nosso tempo, enformado pela passagem dos outros tempos - os tempos passados. Nesse sentido, é nossa responsabilidade, aceitarmos uma marcação topológica da arquitectura, que na cidade não poderá viver desgarrada das realidades, outras, que organizam o espaço. Mas aceitamos também a responsabilidade de criarmos uma utopia, em que orientamos a arquitectura numa senda de integração, mais do que participação numa soma das partes (1).

Esta intervenção urbana, torna-se assim numa aceitação de responsabilidades. Aceitamos a responsabilidade da nossa leitura do tempo, aceitamos a responsabilidade de organizar o espaço conforme essa leitura e conforme o nosso conceito de espaço actual. Mais do que um simples projecto de arquitectura, este é um acto, consciente de cultura.

Mas a responsabilidade deverá ser partilhada. O espaço intervencionado será constituído como vivêncial. O tempo dos homens se encarregará de, continuamente, o re-organizar. Quando isso deixar de acontecer, esse espaço estará morto, bem como a cidade e os homens.

Finalmente, aceitamos outra responsabilidade. Não procurámos, esteticamente e funcionalmente, nenhum modelo pré-concebido de praça pública. Procurámos sim, conciliar topos já existentes, marcas do tempo, com a criação de outras marcas, potencializadoras de vivências e efeitos visuais. Não queiram aqui encontrar fórmulas já experimentadas e eventualmente aplaudidas. Assim sendo a nossa responsabilidade é acrescida e múltipla - a de manter, a de criar, a de integrar, a de organizar, sobretudo a de valorizar - tal explica algumas das nossas escolhas, todas elas assumidas como um tempo novo.


A MEMÓRIA DO LUGAR


Como muitas cidades portuguesas, de origem medieval, Castelo de Vide sentiu no século XVIII um forte crescimento urbano, que implicou um recentramento, com a necessidade de criação de novas marcas.

Neste contexto, a actual Praça D. Pedro V assumiu um papel de protagonista na malha urbana. Por um lado torna-se no centro cívico da urbe, por outro estabelece uma ligação lógica entre a zona mais antiga e a setecentista, finalmente assenta o poder civil e religioso, através da Matriz e dos Paços do Concelho, pese embora estes últimos se virem noutra direcção, para a Rua Bartolomeu Álvares da Santa ou Carreira de Cima, marcando essa disposição com o pelourinho, sem, contudo, conseguir renegar o fazer parte integrante do mesmo espaço.

A traça setecentista da Matriz substitui a da antiga Igreja de Sta. Maria da Devesa, trecentista, possivelmente sacrificada às exigências de marcação da nova função. Este templo e o solar, agora Paços do Concelho, são os objectos mais importantes, como marcas urbanas, do espaço a intervencionar. Contudo, será ainda de referenciar, a Igreja de S. João Baptista e o Largo Eanes, através deles se completando um espaço que se pode considerar unitário, embora numa lógica espácio-temporal ele se devesse estender até à antiga porta da Devesa, na actual Avenida da Aramenha.

Para além do realce destas quatro marcas, juntamente com alguns equipamentos já existentes (Fonte do Ourives, Memória de D. Pedro V), a intervenção dever-se-à pautar pela integração das funções anteriores deste espaço: as de Centro Cívico, que já mencionámos, e as agrícolas da devesa, anterior ao século XVIII, hoje apenas entrevistas pela toponímia.

Num cenário de reabilitação, procura-se manter a memória do local como meio de interpenetração de um espaço antigo com um tempo novo.

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