domingo, maio 22, 2005

A Praça Dr. Eugénio Dias, no Sobral de Monte Agraço e a atitude urbanística pombalina

Sobre o Pombalino, como arquitectura e urbanismo, já muito se disse e escreveu. Atitudes racionalistas, inseridas no espírito das luzes europeias do século XVIII, indicadores de concentração de poderes por parte de um estado déspota esclarecido que impõe regras, submetendo os interesses particulares ao bem geral ou, na origem, um rocaille “doméstico” (como lhe chegou a chamar Manuel Rio-Carvalho), utilizado como possibilidade de construção rápida e, depois, normalizada e normalizadora.
Se é discutível a ideia do desenho prévio de um projecto político, em que a arquitectura e o urbanismo se integrassem, não o será a existência em Pombal, de uma concepção de poder em que ressaltava a importância da fixação de modelos normativos – tanto na arquitectura e urbanismo, como na economia, na sociedade, na cultura, enfim, se o Pombalino puder ser definido, ele terá sempre que ser entendido como uma tentativa de normalização, no sentido de um estado racionalista e centralizador.
A reconstrução de Lisboa posd terramoto surge, assim, como uma matriz geradora, pese embora não ter constituído uma tendência fortemente globalizadora. Herdeiros dessa atitude, só o Porto dos Almadas, Vila Real de Santo António, Manique do Intendente ou o Porto Covo do capitalista Bandeira. Cada um destes exemplos, porém, é marcado por desvios à norma, tanto circunstanciais, como por posições socio-políticas diferentes e, mesmo, por situações estéticas, se não opostas, pelo menos desiguais (1).
Para além dos quatro casos urbanísticos referidos e de alguns planos geométricos realizados em contexto colonial (2), outras tentativas foram feitas, mas sempre de uma forma mais incompleta – Leiria e Setúbal, por exemplo, ou Coimbra, que apesar do ousado plano, integrado na reforma da Universidade, acabou por ser afectado pela “viradeira”.
Até aqui falei de situações urbanas que remetem para um entendimento de uma obra perfeita, ou seja, para casos “(...) que referem ao processo operativo explícito enquadrado pelo sistema de normas tendencialmente canónicas (...)” (3). São situações que fazem parte de um discurso urbano de organização ou reorganização exaustiva de um tecido edificado. Contudo, outras situações há, que pretextam intenções não sistemáticas, mas apenas significativas ao nível da percepção. São normalmente pequenas intervenções, valendo mais pelo simbolismo do que pela qualidade urbanística, embora não a desdenhem ou a ponham em causa.
É o caso da Praça Dr. Eugénio Dias, no Sobral de Monte Agraço – vulgarmente referenciada como pombalina, tendo em conta as circunstancias e o tempo da sua organização, mais do que a sua configuração. Esta Praça está ligada à figura de Joaquim Inácio da Cruz Sobral, colaborador do Marquês de Pombal, tesoureiro do Erário Régio, uma das instituições paradigmáticas deste tempo e donatário da vila, em 1771 (até 1759, as rendas do concelho revertiam a favor do Colégio do Espírito Santo de Évora, tal como já tinham revertido para a Diocese dessa cidade (4)).
Este ilustre representante da Nobreza de Toga pombalina, foi o responsável pela construção (ou reconstrução) no Sobral de Monte Agraço, dos Passos do Concelho (entretanto reformados nos séculos XIX e XX), do Chafariz monumental, do Solar dos Sobrais e reconstrução (essa de certeza) da Igreja hoje Matriz, de Nossa Senhora da Vida (5). Esses edifícios, juntamente com algum edificado anterior (com alguma arquitectura de feição vernacular de grande qualidade), acabam por organizar um espaço pouco regular, que se afastava bastante de uma imagem erudita. Será então dividido em duas partes, um pequeno largo, funcionando quase como adro da igreja (hoje designado como Praça da Republica) e em outro, maior e mais regular – a Praça Dr. Eugénio Dias.
A situação é aqui diferenciada das reportadas anteriormente, aproximando-se mais, salvaguardando as devidas proporções, ao que aconteceu no Porto e em Coimbra. Parte-se de um edificado preexistente, transformado por novas construções ou reconstruções – a atitude urbanística na Praça harmoniza, não se impõe à arquitectura. Sugerem-se assim duas hipóteses. Será a Praça realmente pombalina em atitude ou apenas no tempo (c. 1771). Mas se há harmonização, não será a harmonia que o racionalismo procura? Nesse sentido aqui teremos um pequeno, mas qualificado exemplo do urbanismo setecentista, objecto qualificador de uma arquitectura entre o erudito e o vernacular e que entende perfeitamente o papel integrador do urbanismo como agente das relações sociais.
Nesse sentido não resisto a deixar aqui as quadras de cariz popular de Carlos Morais:
A Nossa Praça

Nossa Praça é muito bela
E largamente espaçosa:
Beija-a o sol todo o dia,
Eis porque se fez formosa

Ampla sala de visitas
Tem seus pontos de atracção:
Do “Café” ao chafariz,
E do Santos ao Jordão.

Por altura dos festejos
Muito povo lá passeia,
E uma banda nesses dias,
Do coreto nos recreia (6)



Notas

(1) É o caso do Porto, marcado por uma tradição barroca “nasoniana” que dificilmente se casaria com a depuração da arquitectura da reconstrução lisboeta.
(2) Caso de Mazagão (Pará) e Vila Bela (Mato Grosso) no Brasil e Goa, que não terão ultrapassado experiências coloniais anteriores – cf. José-Augusto FRANÇA, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Lisboa, 1989, p.76.
(3) In Luís AFONSO, O Projecto Urbano Clássico..., 1999, p.9.
(4) Cf. Maria Micaela SOARES, Sobral de Monte Agraço e o Colégio..., 1999.
(5) Cf. a.a.v.v., Concelho de Sobral de Monte Agraço..., 1987, p.38.
(6) In Carlos MORAIS, Sobral Nossa Terra, Sobral de Monte Agraço, 1984, p.32.


BIBLIOGRAFIA

a.a.v.v.,
Concelho de Sobral de Monte Agraço – Inventário Artístico, Sobral de Monte Agraço, Câmara Municipal, 1987
AFONSO,
Luís, O Projecto Urbano Clássico e a Grande Lisboa Pombalina, in GEHA, nº 2/3, 1999, pp.9-22
FRANÇA,
José-Augusto, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1989
GOUVEIA,
António Camões, Estratégias de Interiorização da Disciplina, in História de Portugal, vol. IV, dir. José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, pp.415-449
MORAIS,
Carlos, Sobral Nossa Terra, Sobral de Monte Agraço, Câmara Municipal, 1984
QUARESMA,
António Martins, Porto Covo – Um exemplo de Urbanismo das Luzes, sep. Anais da Real Sociedade Arqueológica Lusitana, 1988
RODRIGUES,
Maria João Madeira, Cidade Oceânica e Mundial. Fundamentos da Teoria do Urbanismo Colonial Português, in GEHA, nº2/3, 1999, pp.23-64
ROSSA,
Walter, A Cidade Portuguesa, in História da Arte Portuguesa, vol. III, dir. Paulo Pereira, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pp.233-323
SOARES,
Maria Micaela, Sobral de Monte Agraço e o Colégio do Espírito Santo e Universidade de Évora, sep. “Boletim Cultural” da Assembleia Distrital de Lisboa, 1999

site meter